people of Faro

Maria Lopes

Abril 25, 2023
Co-fundadora da associação Môçes e do coletivo Laranja Violeta. Terapeuta transpessoal. E DJ. Tudo em regime part-time! Esta é a Maria Lopes, com muita vontade de criar e de fazer coisas novas. E que está, sem dúvida, a revolucionar o Algarve!

entrevista

Na CONTEXTOS, gostamos de deixar a apresentação dos nossos entrevistados com eles. Será que te podes então introduzir, e falar-nos um pouco da tua jornada, sobretudo aqui pelo Algarve?

Sou a Maria. Tenho vinte e nove anos. Sagitária. Muito curiosa, muito proativa. Há uma dualidade em mim, hoje em dia, entre esta proatividade, mas também o autodesenvolvimento. Eu vivi no Algarve dos meus doze aos meus dezasseis anos. Sou de Lisboa. Aos meus dezasseis voltei para Lisboa porque achei que o Algarve não tinha oportunidade para mim, para aquilo que eu queria fazer, para aquilo que eu queria ser, ou para aquilo que eu ambicionava criar um dia. Foi a pandemia que me fez voltar, em 2020. Tenho vivido em vários pontos do Algarve. Agora em Olhão. E vejo um Algarve completamente diferente. Ou eu estou diferente e vejo o Algarve com outros olhos. E, sim, há muita vontade de criar e de fazer coisas novas. Porque o Algarve é uma página em branco, então dá para reescrever tudo aquilo que nós quisermos.

Aquilo que mais te apaixona na vida e que tu sentiste, na altura, que havia falta, do que é que se trata em concreto?

Na altura, estudava na Tomás Cabreira, Artes. E todos os meus amigos eram super artísticos, da cena. E eu sentia que não tinha assim nenhum talento específico de desenho ou design. Mas já sabia que gostava de criar e de juntar pessoas. Não sabia exatamente como, nem de que forma. Comecei a trabalhar como relações-públicas na noite desde muito cedo, porque gostava muito de festa, eventos, e de juntar pessoas. E o Algarve tinha um pouco disso, principalmente no verão. Mas faltava, pelo menos durante o inverno, esta parte cultural onde pudéssemos ir a uma exposição, onde pudéssemos ver coisas novas. Com catorze, quinze, dezasseis anos tu precisas disto, destes estímulos. E eu sentia que Faro, e o Algarve – eu vivia em Faro, na altura não tinha carro –, não nos trazia isto. Não nos dava isto. A mim e ao meu grupo de amigos que eram, na maioria, um ano mais velhos do que eu. E nós estávamo-nos sempre a reinventar. Todos os dias. Eu lembro-me: acabavam as aulas, e vínhamos para minha casa ou para casa de alguém, e estávamos sempre a produzir. Conteúdo de vídeo. Fotografia. Estávamos sempre a inventar e a criar qualquer coisa. Só que acontece que este grupo de amigos decide ir para a faculdade em Lisboa ou para outros sítios. E eu pensei: eu não vou ficar aqui sozinha. Havia esse receio de ficar sozinha. Não sabia o que fazer. Então fui fazer o 12º ano a Lisboa.

“o Algarve é uma página em branco, então dá para reescrever tudo aquilo que nós quisermos”

E, mais tarde, regressas como já disseste, para iniciares alguns projetos?

Sim, eu sinto que foi muito natural. Estava a viajar durante a pandemia. Estive nove meses assim a percorrer a América do Sul. E em junho de 2020, já estava a fazer quarentena no Brasil. E quer dizer, não se estava nada mal, mas eu e o meu namorado também sentíamos que estávamos ali já há algum tempo a empatar um bocadinho uma decisão de: o que é que fazíamos? Porque também não sabíamos, não conseguíamos controlar nada. Não fazíamos ideia do que era o Covid naquela altura. E então regressar foi a melhor decisão até. Não foi de todo exigida pela nossa família, mas sentimos que era o melhor a fazer. E para onde é que íamos regressar? Tínhamos deixado trabalho. Tínhamos deixado casa em Lisboa. Tudo. E a minha mãe estava cá. Os pais dele também – por coincidência, ele tem uma história muito semelhante à minha. Então viemos numa de: precisamos de um pouso. Quer dizer, foi também, na verdade: Lisboa não era uma opção. Porque durante a nossa viagem houve uma perceção muito maior. E eu acho que isto é transversal. Ou seja, muitas pessoas sentiram isto. Esta necessidade de acalmar, de abrandar. E Lisboa já não fazia sentido para este estilo de vida que nós estávamos a adotar. Então o Universo quase que nos encaminhou: ok, é lá para baixo que vocês vão. E foi assim. Viemos. Ficámos em Faro durante uns tempos. Depois fomos para Quarteira. Olhão. E agora estamos entre Faro e Olhão. E eu não trocava o Algarve por nada neste momento!

“a certo momento percebemos que não queríamos ser mais uma marca (...) então surge a MÔÇES como resgate desta parte social de envolver a comunidade vulnerável e local”

Ambos são fundadores de uma mesma Associação, a MÔÇES. Será que podes falar um pouco mais sobre ela?

Durante a viagem ainda, ou seja, ainda no Brasil, comecei a aprender a fazer crochê. E estava-me a dar imenso gozo. Nunca tinha feito nada desse gênero. Sabes, há alguma altura na nossa vida em que nos colocamos crenças que muitas vezes não são verdadeiras. E depois chegamos a uma idade adulta e começamos a desconstruir isto. E eu acreditei mesmo, e ainda acredito que não sou capaz de fazer muitas coisas. Achava que não era capaz de fazer crochê. Via a minha avó fazer. E via a minha mãe também com imenso jeito para a costura. E eu achava: isto não é para mim, não tenho jeito para fazer estas coisas. E a verdade é que fui trabalhando. Foram mesmo tutoriais de YouTube. Comecei a fazer. Prática, prática, prática. E quando voltámos a Portugal, aliás, ainda em viagem, pensámos: o que é que nós vamos fazer em Portugal? Vamos vender salgadinhos na praia? Não, as licenças são complicadas. Vamos fazer peças artesanais, e tentar qualquer coisa? Ok. Comecei a desenvolver uns biquínis diferentes em crochê. Tirei umas fotografias. Fizemos uma espécie de produção fotográfica ainda lá, com o que tínhamos. E o feedback no Instagram foi incrível. E nós: ok, é por aqui. Isto para explicar porque é que a MÔÇES surgiu. Antes da MÔÇES, criámos “Água na Boca” que era uma marca de peças de artesanato, primeiramente, com crochê. Depois, progrediu para um polo onde artistas pudessem expor e vender a sua arte. Ou seja, uma espécie de galeria virtual. E como queríamos um pouco mais. Queríamos fazer muito este trabalho social de envolver pessoas no interior do Algarve. Daí surgiu a Associação. A marca foi o ponto de partida, mas a certo momento percebemos que não queríamos ser mais uma marca que produz, vende, produz, vende. Não nos estava a preencher assim tanto quanto isso. E então surge a MÔÇES como resgate desta parte social de envolver a comunidade vulnerável e local. E o objetivo inicial da MÔÇES era trazer estes saberes ancestrais, como o crochê, e passá-los a comunidades e a pessoas que não têm tão facilmente oportunidade de emprego. Surge assim a MÔÇES que se foi desenvolvendo e abrindo para algo um pouco diferente, que é hoje – desenvolver programas em diversas áreas, desde arte, educação, desporto, cultura e ambiente, e tudo aquilo que nos vier ao coração.

E sentes que têm conseguido fazer mudança?

Eu sinto que sim. Por vezes, trabalhar com comunidades vulneráveis, ou trabalhar questões como a questão ambiental – que nós estamos a trabalhar agora com os plásticos de utilização única –, são temas tão sensíveis e que nos tocam a tantos níveis, que por mais que achemos que estamos a fazer a mudança, sentimos ao mesmo tempo que estamos numa estrada quase sem fim de trabalho, para conseguir atingir essa mudança. Mas eu sei que no caminho vamos plantando sementes. E isso é o que preenche, honestamente.

“sou apaixonada por música desde sempre, em paralelo com esta vontade de unir pessoas e de produzir eventos”

Mais recentemente ainda, surge outra ideia e iniciativa, a de um Coletivo, Laranja Violeta. Uma nova frente, portanto. O que é que o Coletivo permite a mais ou de diferente?

Um dos projetos mais recentes da MÔÇES é o “Artists & Fleas”. Um mercado que já tínhamos vontade de criar há algum tempo. Mas que por nãos, nãos, nãos constantes ainda não tinha sido algo... Se calhar também não era a altura certa, pronto. Foi a altura certa quando reunimos com o pessoal da Associação de Músicos (ARCM). E aí, em 2022, fizemos a primeira edição. Fizemos assim um scouting intensivo de artesãos e marcas locais, porque queríamos muito juntar esta comunidade algarvia de artesãos e produtores. E, de repente, criámos um evento incrível, que une de facto estas pessoas, mas também atrai curiosos e pessoas que eu não sabia onde é que elas estavam escondidas no Algarve. Ou, pelo menos, não as via quando saía à noite ou mesmo durante o dia. Não sabia que havia tantos jovens, jovens e não só, com esta vontade de se encontrarem, ou de terem este ponto de encontro onde pudessem trocar ideias, conversar, beber uma cerveja, ouvir música, comprar arte, expor a sua arte. E fazer um mercado um bocadinho diferente daquilo que estamos habituados aqui no Algarve – a típica feirinha, o mercado tradicional –, que acaba por não atrair este público jovem mais alternativo, que era exatamente o que nós, a nível pessoal, não tanto pela Associação, mas o que nós môçes queríamos encontrar, para também nos conectarmos a nível pessoal. Então o coletivo vem um bocadinho daí. Porque, de repente, vejo estes jovens a encontrarem-se num mercado. E foi no mercado que nasceu esta ideia do Coletivo, com outros vendedores e outras pessoas que o frequentavam. E foi: porque não criar um coletivo, onde de facto podemos juntar estas pessoas, mas não num mercado, e sim num evento com música, com arte? Ou seja, algo mais específico, onde também nos podemos reunir, e debater: como fazer isto? O que criar? O que explorar? Sem definir muito inicialmente, foi daqui que nasceu a ideia de unir estas pessoas. E foi engraçado que começou com um grupo completamente diferente, e depois foram entrando e saindo pessoas. Até chegarmos ao core, que é este grupo que agora se reúne semanalmente, e está a começar a criar estes eventos mensais. E que daqui eu não tenho dúvidas de que vá acontecer de facto revolução. E revolução no Algarve. E até me arrepio, porque imagina, em Lisboa e no Porto nós já temos isto a acontecer. Já eclodiu há muito mais tempo. E o Algarve é um livro em branco, uma página em branco, onde nós estamos a começar a escrever estes primeiros passos da revolução deste meio mais alternativo pelo menos, que existe muito pouco.

Para além disso, sabemos que és terapeuta transpessoal. E DJ em regime part-time. Também acabas por ser revolucionária ao entrares neste campo ainda muito dominado por homens. Quão livre é que te sentes nesta indústria? Já tiveste de enfrentar assim alguns desafios?

Sim. Não vou dizer que não tive de enfrentar alguns desafios, porque o ego humano é muito perigoso às vezes. É muito importante, mas também perigoso. E sim, por vezes, sente-se que há uma energia masculina que pode ficar afetada por uma mulher chegar-se à frente, e ter esta força de querer produzir e criar. E eu ainda estou no meu processo de desenvolvimento pessoal. Eu tenho muita energia masculina também. E isso pode chocar com muitos homens. Eu própria estou a tentar balançá-la com a minha energia feminina. Porque eu acredito que temos de ser um equilíbrio entre os dois. Mas eu própria também às vezes caio... Não sei se é errado ou certo. Mas posso cair nesta tendência de: eu quero fazer assim, e eu tenho razão, e eu vou à frente com tudo. E isso às vezes mexe com egos, sejam eles quais forem. Porque todas as mulheres também têm energia masculina. Então às vezes, esse pode ser o meu desafio interno. Não estou a dizer que é só uma questão externa. A terapia transpessoal ensina-me muito. Foi na pandemia que senti esta necessidade de olhar para dentro. E a terapia transpessoal veio através de uma amiga que já era terapeuta transpessoal. Decidi tirar o curso, e já acompanhei algumas pessoas. E é incrível como nós nos espelhamos tanto no outro. Então ter estas ferramentas, que sinto que são tão importantes, e que faltam a tantos nós, ajudam-me cada vez mais neste trabalho de juntar pessoas, e de como liderar de uma forma mais saudável. Porque já o fiz no passado. O meu trabalho sempre foi a produção, organização de eventos. Geri um centro cultural em Lisboa, que era um polo que movia muitas pessoas. Éramos uma equipa grande. E talvez não tenha sido uma liderança tão saudável assim. Daí, cá dentro também não estava tão feliz. Então vou tentando melhorar esses aspetos em mim, para depois cá para fora ser outra experiência.

Quanto ao DJing. Sou apaixonada por música desde sempre, em paralelo com esta vontade de unir pessoas e de produzir eventos. Unir pessoas, porque quando eu trabalhava como relações-públicas era muito isso. Eu gostava era de convidar as pessoas. Nem sempre eram os meus eventos, como é óbvio, inicialmente. Foi com catorze anos que comecei e não eram os meus eventos. Era mais: eu quero juntar estas pessoas. E ao mesmo tempo via aquilo como um trabalho. E era. Mas um trabalho em que eu me divertia também. Então a música sempre esteve presente. Nestes eventos, noite, festa. Seja o evento que for há sempre a música envolvida. Sempre tive muitos amigos na área da música, DJ’s, bandas e afins. E sempre houve este bichinho de também querer dar a outras pessoas esta minha seleção musical. Então em 2016, mais assim num tom de brincadeira, comecei a tocar com um amigo no Porto. Vivia no Porto nessa altura. Começou por ser uma festa. Depois formámos uma dupla. Começámos a tocar. Ainda tocámos de norte a sul, em vários sítios, festivais. Fomos tocar lá fora também. Depois fui de viagem. Ele vivia no Porto. Fizemos uma pausa. Depois voltei para o Algarve. E já era impossível estarmos os dois a tocar sempre juntos. Então comecei a tocar sozinha. E chamo-lhe um part-time, como chamo de part-time a todo o resto que eu faço. Porque, na verdade, eu não me consigo definir por uma profissão. Por isso chamo-lhe part-time. Porque eu não quero ser a “DJ”. Não quero esse rótulo. Como não quero o rótulo de “terapeuta”. Como não quero o rótulo de “produtora”. Não sei, às vezes para mim é difícil definir-me com uma coisa só. E ando nessa busca interna de conectar todas estas Marias diferentes, que fazem muitas coisas. E aceitar que posso ser tudo. E que me completo com isto tudo. Porque às vezes ainda tenho esta crença, lá está, dentro de mim: sou DJ, mas sou Terapeuta, será que os dois casam? Porque não? Então estou neste preciso momento da minha vida. Nessa busca interna. Nessa revolução interna de aceitar todas estas minhas partes.

“sou DJ, mas sou Terapeuta, será que os dois casam? Porque não?”

E, na tua opinião, ser criativa é ser revolucionária?

Sem dúvida. Ser criativa é ser revolucionária. Sim. Porque é uma parte do nosso cérebro que muitas vezes está adormecida. E quando ela desperta, é revolucionária dentro de nós, a vários níveis. Primeiro, porque a criação artística é terapia. E, muitas vezes, nós não temos acesso a terapia convencional. Um psicólogo. Um terapeuta. O que for. E esquecemos que através desta criação, seja ela manual, seja ela de escrita. Enfim, temos tantas formas de criação artística. Mas todas são super, hiper terapêuticas. E, se toda a gente conseguisse no seu dia a dia corrido, no seu trabalho das 9h às 18h, tirar um fim de semana ou um bocadinho por dia para trabalhar com barro. Ou ter um diário de bordo onde pudesse nas horas livres desenhar qualquer coisa. Isso é terapêutico. Terapêutico e revolucionário. Porque, sem sabermos, estamos a deitar cá para fora algo que temos cá dentro. E a revolução acontece aí também. Quando nós temos algo cá dentro, no coração, e queremos mostrar ao mundo, seja da forma que for. Ou mesmo que não queiramos mostrar ao mundo, estamos a libertar algo de dentro. E essa revolução interna, eu acredito que é das mais importantes hoje em dia. Com a sociedade em que vivemos e com o stress que acumulamos hoje em dia.

Uma revolução através da Arte para o nosso futuro, é nessa que acreditas?

Sim, sem dúvida, nas variadas formas da Arte. Eu acredito que este Coletivo (Laranja Violeta) é exatamente nesses pilares que se baseia. Não só na música, como nos workshops artísticos, como na criação em conjunto, como na expressão artística através da comida. Juntamos todos esses pilares num evento. E aí sim. Vamos revolucionar de alguma forma!

“e essa revolução interna, eu acredito que é das mais importantes hoje em dia”

entrevista anterior

próxima entrevista

mais entrevistas

Saber mais sobre o projeto

Ideia • Ação • Impacto
Envolver, capacitar e motivar pessoas, organizações e comunidades.
co-financiado por:
contatos
Dr. José de Matos 17, 4º Direito
8000-503 Faro
(+351) 911 725 377
Chamada para rede móvel nacional
contatos
Dr. José de Matos 17, 4º Direito
8000-503 Faro
(+351) 911 725 377
Chamada para rede móvel nacional
newsletter
Pretende receber as notícias e eventos da Contextos?
Subscricao

Subscricao responsive

co-financiado por:
Todos os Direitos Reservados © 2023 Contextos
|
Design por Botodacruz
linkedin facebook pinterest youtube rss twitter instagram facebook-blank rss-blank linkedin-blank pinterest youtube twitter instagram