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Almeida

Fulvia

Depois de trabalhar como jornalista e de seguir a sua paixão pelo teatro ao mesmo tempo, Fulvia decidiu finalmente se dedicar inteiramente à arte. Atualmente, ela é uma das pessoas que se certificam que a ArQuente – associação cultural sediada em Faro – tem tudo o que precisa para proporcionar às pessoas eventos artísticos e culturais autênticos.

1. Para aqueles que não a conhecem, como se definiria? Quem é a Fulvia?

Sou uma pessoa que gosta de comunicar, de criar, de estar rodeada de pessoas, de viajar, e alguém que faz muitas coisas ao mesmo tempo.

2. Realizaste um documentário sobre o Algarve e trabalhas na ArQuente. De onde vem a sua paixão pelas artes?

Quando era criança, não sabia se queria ser jornalista ou atriz. Finalmente, decidi que queria ser atriz, mas nessa altura era difícil em Portugal viver como uma artista. A minha mãe também não gostou da ideia, por isso vim para Faro para estudar comunicação e na universidade havia um grupo de teatro chamado Sin-Cera. 

Eu entrei e fiz o curso com um ótimo diretor chamado Pedro Wilson. Apaixonei-me e disse “É isto que quero fazer para o resto da minha vida”, mas ao mesmo tempo, estudava comunicação e também gostava. 

Em 2019, estava a fazer espectáculos e também estava a trabalhar na estação de rádio Rua FM. Então, senti que era altura de eu decidir e finalmente escolher entre as duas coisas. Decidi vir para a ArQuente e fazer algumas mudanças na associação, tornando-a mais profissional, mas a performance e a arte têm feito parte da minha vida adulta desde que me consigo lembrar. 

Fiz parte de diferentes grupos de teatro, e a dada altura, os meus amigos da ArQuente convidaram-me para fazer um espectáculo para crianças com eles. Aceitei e muito naturalmente, desenvolvi uma boa ligação com eles, e passei a fazer parte do grupo. Eles começaram a convidar-me para participar em vários projectos e também para me tornar membro da associação.

Não importa se é o presidente ou vice-presidente da associação. O que importa é que estamos juntos e que temos pessoas para representar para os outros.

3. O que mudaste na ArQuente?

Antes, éramos todos voluntários, mas havia algumas pessoas que queriam ser verdadeiros artistas e ganhar a vida com isso. Por causa disso, pensei “Ok, porque não criamos uma estrutura para as pessoas trabalharem aqui e lhes damos mais algum tempo para criarem?  Agora, estamos a tentar obter fundos e construir esta estrutura. Não é fácil, mas é possível.

No início do ano, preparamos o programa cultural. Recentemente, tivemos uma estreia em Loulé, no dia 21 de Janeiro. Foi fantástico, porque foi a primeira vez que trabalhámos com um tipo muito bom, o Luis Marrafa. Ele é coreógrafo e tem uma companhia em Bruxelas e veio aqui para trabalhar connosco. Estivemos em Loulé, fazendo diferentes residências artísticas, e vamos apresentar novamente o espectáculo em que trabalhámos – Credo – no Teatro das Figuras, no dia 7 de Abril.

4. O que é preciso para viver da arte?

Não acreditávamos que pudesse ser possível viver bem como artista. Por vezes, em Portugal há esta ideia de que os artistas não têm dinheiro suficiente, de que não é fácil ganhar a vida com isso. Acredito que tínhamos este problema na ArQuente. Todos nós fazíamos trabalhos diferentes, e ser um artista parecia ser apenas um sonho, nunca uma realidade. E eu disse-lhes “Porque não tentamos pelo menos?”. Eu lancei o convite, agora estou a trabalhar na estrutura, para que se os artistas quiserem vir, eles possam. Se não vierem, também não há problema. Para mim, é importante acreditar que é possível e tentar fazer com que isso aconteça.  

Tenho um amigo que diz: “Se queres ser bailarina, não podes trabalhar como agricultora”. Um dia, tens de dançar!

5. Estamos no pátio da associação. O que a ArQuente representa para si e para a cidade?

Para mim, é o lugar onde posso ser eu própria e onde posso experimentar coisas. Não há medo do ridículo. Tudo é possível aqui. Vemos a arte como uma forma de remover as barreiras e é realmente fantástico fazer parte disto. 

Penso que a ArQuente tem um papel importante para a cidade. Quando foi criada, a cidade não tinha muitas associações culturais. Tinha grupos de teatro, mas não grupos de atuação, que é um tipo diferente de teatro. Se tivermos um texto clássico, tentamos representá-lo de uma forma original. Trazemos aqui músicos de outras partes do país que nunca estiveram no Algarve. As pessoas que normalmente vêm aos concertos não conhecem os músicos. São do tipo “Ok, se ArQuente os traz, tenho a certeza que são fixes”.

6. Um dos projectos mais recentes da ArQuente é o “Credo”. Conte-nos mais sobre ele.

Para mim, foi um grande desafio, porque não sou bailarina. Fiz alguns workshops e formações, mas não sou bailarina. Quando começámos a trabalhar com o coreógrafo Luis Marrafa, ele sabia que iria trabalhar com duas artistas e uma bailarina, e teve a coragem de nos fazer dançar. Foi a primeira vez que tive de memorizar os movimentos, e de falar apenas com o meu corpo. No início, Teresa e eu – Carolina era a bailarina profissional – pensámos: “O que vamos fazer? Como vamos memorizar tudo?”. Os movimentos são como frases e deve memorizá-las e devem fazer sentido na sua cabeça. Luis era incrivelmente criativo e até nos pedia para inventarmos novos movimentos. Além disso, Teresa, Carolina e eu trabalhámos muito bem juntas. Foi perfeito. 

Antes, os membros trabalhavam durante o dia, por isso só tinham tempo para os ensaios à noite. Para este projecto, pudemos trabalhar das 9 da manhã às 18 horas. É por isso que queríamos uma produção com apenas algumas pessoas. É mais fácil sincronizar os nossos horários desta forma. 

Para este tipo de projectos convidamos alguém,  cujo trabalho apreciamos, a colaborar connosco. Discutimos o tema que queríamos abordar – neste caso, foram as crenças que temos -, mas depois disto, tudo fica em aberto. Podemos fazer o que quisermos. Normalmente, improvisam um pouco connosco, e depois disto, o realizador decide o que quer introduzir no espectáculo. 

Descobri que o meu corpo pode fazer mais do que eu pensava. É assim que a ArQuente trabalha. Em cada projecto, descobrimos mais sobre nós próprios. Trata-se de sair da sua zona de conforto – há um pouco de medo, mas há o sentimento de que se está vivo ao mesmo tempo. Não tem de ser perfeito, apenas autêntico.

7. Parece que o conceito de artes performativas está cada vez mais presente entre os meios de expressão artística. Porque achas que isto está a acontecer?

O mundo muda todos os dias, e as pessoas também. Os artistas também estão a tentar desafiar-se a si próprios, e creio que não faz sentido que muitas pessoas trabalhem apenas numa área artística. O que é interessante e importante é misturar tudo e penso que a cultura está a seguir esta direção. É claro que haverá sempre pessoas que preferem o teatro tradicional e não há problema. Também é importante.

8. Como pode o Algarve e, em particular, Faro contribuir para as artes performativas e para a cultura?

Penso que tudo pode ser uma inspiração. Faro é uma cidade realmente bela, temos o mar, esta bela lagoa – Ria Formosa, alguns cantinhos inspiradores. Trabalhar com a comunidade é agradável, e gostaríamos de fazer mais. Faro tem muito para nos dar, especialmente porque compete pelo título de Capital Europeia da Cultura 2027. Se Faro começar a acreditar que é possível fazer mais pela área cultural, então a própria cidade tornar-se-á uma inspiração para as outras associações. 

Por vezes, as pessoas pensam que a cultura é ver um concerto, ou ir ao teatro, mas para mim, é muito mais do que isso. A cultura é trabalhar com as pessoas, é repensar o nosso estilo de vida. Na minha opinião, o papel principal de um artista é pensar sobre o que o rodeia. O mais importante não é mostrar o que se está a fazer, mas sim partilhar algo, enviar uma mensagem. O que as pessoas compreendem pelo que partilho com elas não é problema meu. 

9. Pensa que este movimento cultural está a chegar às pessoas aqui em Faro?

Sim, tenho a certeza. Faro tem muitas associações culturais. A maior parte das coisas que vês acontecer na cidade são feitas por estas associações. As pessoas podem pensar que é a autarquia que o faz, mas não. Por vezes, há pessoas como nós a fazer coisas na cidade. Não imagino como seria Faro se estas associações não existissem. Seria triste.

10. O que é que mais lhe agrada em Faro? Qual é a primeira coisa que lhe vem à cabeça quando pensa na cidade?

A Ria Formosa, com certeza. Há alguns anos atrás, fui para Marrocos para trabalhar e foi aí que percebi onde ficava a minha casa. Não sou de Faro, mas vim para cá para estudar e fiquei. Eu senti muita falta da Ria Formosa. Eu ficava a imaginar-me com a minha bicicleta, a passar pela ria, e a ir para a praia, e estava realmente com saudades de casa. Faro é a minha casa! Acredito realmente que tenho uma ligação profunda com a Ria Formosa. Por exemplo, passo as minhas férias na Culatra. No ano passado, até organizei alguns “concertos ao entardecer” lá. Foi a primeira vez que fizemos um “concertos ao entardecer” na Culatra.

A Culatra é mágica; é um lugar realmente especial, com pessoas especiais. Há pescadores reais que lá vivem, não é para turistas. Quando lá se vai, sente-se parte da comunidade. Na Culatra, sinto-me em casa – sei que vou à “tia Maria” para comprar peixe, que o “Galo” me traz berbigão, que a “Marília” tem o supermercado que está sempre aberto. Pequenas coisas que fazem a diferença.

11. Qual seria a banda sonora da tua história de vida?

Shimbalaiê – Maria Gadu


Note: Given that “People of Faro” is a project initiated and carried out by international volunteers of Contextos, the interview was done in English and subsequently translated by us into Portuguese. If you want to read the English version, click here.

© Photos by Beatrice Dragusanu